segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

[SERMÃO] O RITO TRADICIONAL ENTRE BONS E MAUS DEFENSORES

Sermão para o V domingo após a Epifania
Brasília, 6 de fevereiro de 2022

Padre Ivan Chudzik, IBP


Caros fiéis, na sua primeira epístola, o apóstolo São Pedro nos dirige uma exortação da máxima importância para os nossos tempos: “Estai sempre prontos a responder para vossa defesa a todo aquele que vos pedir a razão de vossa esperança, mas fazei-o com suavidade e respeito.” (I Pd. III, 15-16)

Essa exortação significa então para nós duas coisas: a primeira delas é que a defesa da fé católica é mais positiva do que negativa, ou seja, nós defendemos muito mais a nossa santa religião quando damos as razões, os motivos da nossa fé do que quando atacamos os erros opostos.

É verdade que nós não podemos negligenciar o combate contra os erros, porque a Igreja sempre condenou os erros contrários à fé. Por outro lado, caros fiéis, o que nos define católicos não é a oposição aos erros, e sim a adesão à verdade. São os protestantes que se definem por uma oposição, ou seja, os protestantes são aqueles que protestam, a razão de ser do protestantismo é uma rebelião contra a Igreja católica, contra a Hierarquia católica, contra a doutrina, a moral e os Sacramentos da Igreja católica. E apesar disso, muitos católicos caem numa psicologia, isto é, numa mentalidade protestante quando atribuem um peso excessivo ao ataque aos inimigos da fé, quando empregam boa parte da sua vida católica no combate aos erros, como se a fé católica fosse um mero “partido intelectual”, se assim podemos dizer, sendo que a virtude da fé, sem a caridade, não é meritória, ou seja, não é agradável a Deus. Em outras palavras, caros fiéis, aquele católico que pretende defender a fé sem vivê-la intensamente não a defende muito bem, porque quem está convencido das verdades que pretende defender deve ser o primeiro a praticá-las. Então antes de dar as razões da nossa esperança aos incrédulos, como diz São Pedro, nós devemos nos dar a nós mesmos essas razões, ou seja, nós devemos estar convencidos das verdades de fé a ponto de vivê-las intensamente, porque assim daremos aos incrédulos não apenas as razões da nossa fé, mas da nossa vida, de uma vida de fé.

Em segundo lugar, devemos tirar da exortação de São Pedro a seguinte conclusão: assim como a fé deve estar unida à caridade em nossa vida pessoal—porque a fé sem a caridade não é meritória—, enfim, assim como a fé deve estar unida à caridade em nossa vida pessoal, do mesmo modo, a fé deve estar unida à caridade em nosso apostolado, ou seja, em todas as nossas palavras e ações em defesa da nossa santa religião. É por isso que São Pedro determina explicitamente em sua epístola as qualidades dessa defesa, ou seja, ela deve ser cum modestia et timore, isto é, com suavidade e com respeito.

A consequência então não pode ser outra: prestam um desserviço à fé católica todos aqueles que, em sua pretensa defesa da nossa santa religião, caem no escárnio, na zombaria, na ironia imoderada contra as autoridades eclesiásticas, porque pretendem defender a fé separando-a da caridade, o que vai contra a exortação de São Pedro.

Na verdade, mesmo quando uma autoridade eclesiástica cai num erro contra a fé ou comete um abuso de autoridade, isso quer dizer que o católico deve se opôr mais ao erro do que à pessoa que erra, deve expôr mais a nocividade do erro do que manifestar a malícia ou o engano daquele que erra. Do contrário, quando mais o combate se concentra na pessoa, mais isso suscita as paixões e mais isso fere o orgulho, o que aumenta os obstáculos para o reconhecimento da culpa e a conversão daquele que erra. Afinal, caros fiéis, nós seremos verdadeiramente católicos quando o nosso combate pela fé for também um ato, uma obra de caridade dirigido àquele cujos erros nós nos propomos responder. Portanto, a defesa da nossa santa religião não nos dá direito a ferir despudoradamente a reputação alheia, sobretudo a das autoridades eclesiásticas.

Por outro lado, se um certo modo de “defender da fé” nos causa mais a indignação do que a compaixão, se um certo modo de “defender da fé” nos move mais à ira do que à caridade, mais ao desejo de vingança do que o de intercessão pelos inimigos da Igreja, então essa defesa está viciada em sua raiz, porque ela procede não da caridade, mas do amor-próprio indignado. A ira e a indignação desordenadas, assim como o desejo desordenado de vingança são os sinais mais claros de que certas iniciativas não corroboram para o bem da Igreja, pois como diz São Paulo: “A caridade é paciente, a caridade é bondosa. […] Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. […] Tudo desculpa […], tudo suporta.” (I Cor. XIII, 4; 5; 7)

É por isso que o nosso máximo exemplo de defesa da fé está em Nosso Senhor Jesus Cristo, que no episódio da expulsão dos vendilhões do Templo agiu de modo a mover aqueles comerciantes ao temor de Deus; e que no Seu combate contra a doutrina dos fariseus reduziu a seita farisaica ao mais completo silêncio (cf. Mt. XXII, 23; 46), uma vez que o povo estava tomado de admiração pela sabedoria e pela santidade de Suas palavras e de Suas obras (cf. Mt. XXII, 33).

Então mesmo quando Nosso Senhor usou de palavras severas contra os Seus inimigos, Suas palavras estavam sempre unidas à mais perfeita caridade, à mais perfeita paciência, à mais perfeita mansidão, à mais perfeita doçura, porque em Nosso Senhor todas as virtudes se encontram no seu máximo grau e na sua máxima união com a caridade. Portanto, Ele é o nosso modelo, Ele é o modelo do verdadeiro apostolado católico e de toda defesa da fé católica; é n'Ele nós encontramos o mais santo, o mais puro, o mais ardente zelo pela casa de Deus, é n'Ele que nós aprendemos que a indignação deve ser um transbordar da caridade e não do orgulho ferido. É n'Ele que nós aprendemos a desaprovar certas iniciativas que são muito mais uma provocação infantil dos inimigos da Igreja do que uma defesa contundente da Tradição.

A partir dessas duas conclusões, devemos então aplicar a exortação de São Pedro às nossas circunstâncias, a esse momento dramático da História da Igreja em que a Tradição apostólica é contestada até mesmo por aqueles que têm a missão divina de guardá-la e defendê-la. Recordemo-nos mais uma vez do que São Pedro nos diz: “Estai sempre prontos a responder para vossa defesa a todo aquele que vos pedir a razão de vossa esperança, mas fazei-o com suavidade e respeito.” (I Pd. III, 15-16)

Isso significa, caros fiéis, que nós devemos estar prontos para dar razões da nossa adesão ao Rito Romano tradicional; pois a nossa adesão está muito além de uma mera rejeição dos abusos litúrgicos; a nossa adesão não se reduz sequer à busca de sacralidade, ainda que o respeito pelas coisas santas seja uma condição indispensável para que uma Liturgia agrade a Deus e santifique a nossa alma.

Então vale repetir: nós não aderimos ao Rito Romano tradicional simplesmente porque fugimos de certos abusos ou meramente porque procuramos a veneração pelas coisas santas. A nossa adesão ao Rito tradicional é para nós claramente uma questão de fé. Dom Guéranger, abade beneditino, que no século XIX foi um dos expoentes da restauração do canto gregoriano, disse que a Liturgia é “a Tradição em seu mais alto grau de poder e de solenidade”; e nisso ele concorda com um famoso orador sacro do século XVII, Monsenhor Bossuet, para quem a Liturgia é “o principal instrumento da Tradição da Igreja”, assim como a “Tradição professada”, porque enquanto o Magistério define as verdades de Fé, a Liturgia as confessa, a Liturgia as professa, e por isso mesmo ela é a “Tradição professada”.

É por esse motivo que, quanto mais antigo e mais difundido for um rito católico, mais peso, mais autoridade esse rito possui, porque maior é a conexão desse rito com a Tradição apostólica. E como o Rito Romano é o mais antigo e o mais difundido dos ritos católicos, e como ele procede da igreja mais importante que é a igreja de Roma, ou seja, a Diocese de Roma, que é a Diocese do Sucessor de Pedro, isso quer então dizer então que o Rito Romano é a expressão mais autorizada e mais solene da Tradição da Igreja.

A consequência desses princípios, caros fiéis, não pode ser outra: a crise eclesial e litúrgica que atravessamos não começa com a revogação do motu próprio de Bento XVI sobre o Rito tradicional; a crise que atravessamos começa décadas antes, nos anos 1960, quando se pretendeu reformar o Rito Romano e substituí-lo por outra “lei da oração”, por outra “expressão orante da Tradição”, se assim podemos dizer, porque a simples pretensão de homens eruditos, de liturgistas, de ter encontrado supostamente, por meio de seus estudos, os costumes da Igreja primitiva, menosprezando tudo aquilo que nos foi transmitido pela tradição como produto de um equívoco, enfim, a simples pretensão desses eruditos de substituir o missal tradicional por suas conjecturas pessoais, por suas hipóteses pessoais sobre as origens da Igreja, essa pretensão já é um sinal de perda de fé, a fé de que o Espírito Santo nunca deixou de assistir a Igreja, ainda que o número dos seus fiéis possa diminuir em tempos de apostasia como são os nossos. E aqui cabe citar uma autoridade insuspeita sobre a questão, o então Papa Bento XVI, que em uma de suas catequeses faz a seguinte observação: “A liturgia não é algo construído por nós, algo inventado para fazer uma experiência religiosa por certo período de tempo.” (14 de maio de 2008)

Se mesmo um Papa que viveu o tempo da transição do antigo para o novo missal é capaz de reconhecer com sinceridade, por meio dessa e de outras declarações suas, que as pretensões dos anos 1960 estavam equivocadas, nós temos todo o direito de aderir ao Rito tradicional não por um motivo estético, não por uma preferência religiosa pessoal, não porque fugimos de abusos ou procuramos a veneração pelas coisas santas, mas por um motivo muito superior: porque se trata de uma questão de fé; porque se esse rito caducou, então é a nossa fé divina e apostólica que caducou, e isso é absolutamente inadmissível.

Portanto, caros fiéis, daqui por diante, mais do que nunca, devemos estar prontos, como nos exorta o príncipe dos apóstolos, a dar as razões da nossa esperança: a esperança de que Nosso Senhor já venceu o mundo pela Sua Paixão e Morte na cruz; a esperança de que a Igreja também sairá vitoriosa dessa crise sem precedentes que é a Paixão do Corpo Místico de Cristo, que é o eclipse da glória da Igreja, que é um novo tempo de martírio, martírio alcançado não pelo sofrimento físico, mas pelo sofrimento moral, pela dor, pela tristeza de testemunhar os mais audaciosos ataques contra tudo o que há de mais sagrado na Igreja, a começar pela sua Liturgia, e resistir a essa destruição com uma paciência e uma perseverança heróicas, para que, ao final de nossa vida, Nosso Senhor queira recompensar a nossa fidelidade à doutrina e a nossa caridade para com os inimigos da Igreja com a visão da Liturgia dos Anjos e dos Santos na Jerusalém celestial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário