sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

UM NOVO COMEÇO EM NOVAS CIRCUNSTÂNCIAS

Prezados leitores,
Laudetur Jesus Christus!

Nossa última postagem data de agosto de 2016, cinco anos após a criação deste modesto e despretensioso blog.

Desde então, quanta coisa mudou! Como diz o ditado latino: sic transit gloria mundi, "assim passa a glória do mundo". 

Quando o nosso grupo de fiéis se formou, em 2007, imediatamente após a publicação do motu proprio "Summorum Pontificum", de Bento XVI, quantas esperanças nós tínhamos de que a palavra do Papa não seria letra morta em nossa Diocese e em tantas outras Dioceses. Com o tempo, nossas esperanças se mesclaram com muitas decepções, porque, na verdade, tratava-se de esperanças humanas, ou seja, nós esperávamos receber a proteção e o auxílio dos homens. As esperanças humanas nós definitivamente perdemos, mas assim passamos a confiar mais na proteção e no auxílio divinos, porque, estes, nunca nos faltaram. 

Em tempos como os nossos, de revogação do motu proprio de Bento XVI sobre o Rito Romano tradicional, é certo que nós fomos privados de certas garantias canônicas; todavia, permanece indefectível aquele princípio que consta na carta aos Bispos [1] que acompanha o motu proprio "Summorum Pontificum":

"Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo [considerado] prejudicial. Faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar."

Portanto, em tempos como os nossos, devemos permanecer firmes com a doutrina que a Igreja recebeu do Seu divino Fundador por meio dos apóstolos, e que o Magistério não pode senão guardar, explicitar e defender.

Nós devemos permanecer firmes com a doutrina da Igreja porque o Rito Romano tradicional é a expressão orante da Fé da Igreja. Como disse Bento XVI, ele é parte daquelas riquezas "[...] que foram crescendo na fé e na oração da Igreja". Consequentemente, ninguém pode abominar o Rito tradicional sem antes ter rejeitado a própria Tradição apostólica. Uma coisa não vai sem a outra.

Mas se trata realmente de uma rejeição da Tradição? Afinal, alguns dizem que o Rito Romano tradicional tem lá a sua beleza, a sua mística, mas é algo do passado. Ou, para usar de um termo chave, não é um Rito "pastoral".

Não mesmo? Para fiéis bem catequizados e que sabem rezar, esse Rito é um verdadeiro "Céu na terra". Para fiéis mal instruídos e que não conseguem rezar sem que alguém lhes diga o que devem fazer na igreja, para tais fiéis, esse Rito é certamente um escândalo. Logo, sem o conhecimento adequado da doutrina católica, o argumento da "pastoralidade" até que poderia fazer algum sentido.

Porém, esse é o cerne da questão: a Liturgia não é uma catequese. Ela contém uma catequese, mas não é uma catequese. A Liturgia nos faz confessar as verdades de Fé não para que as aprendamos, mas como parte de um culto rendido a Deus. Mesmo as leituras estão a serviço da nossa participação do Sacrifício eucarístico, porque são instruções que alimentam a Fé, a Esperança e a Caridade daqueles que já receberam previamente a catequese da Igreja.

Logo, parte da "rejeição" que o Rito Romano tradicional recebe provém de uma má compreensão do que é a Liturgia.

Contudo, a "rejeição" ao Rito Romano tradicional pode ter uma causa mais profunda. Como já vimos, alguns dizem que esse Rito "não é pastoral" porque têm a noção errônea de que a Liturgia é uma catequese. Não obstante, aos olhos de outros, o Rito tradicional "não é pastoral" porque a noção que se tem da Tradição é uma noção "evolutiva". E sabemos que tal opinião é devedora da dialética hegeliana [2], pois supõe que o Espírito Santo sopra às gerações seguintes algo que Ele não disse às precedentes, ainda que em contradição com o ensinamento anterior. Nesse caso, o Magistério teria uma função "reguladora", de assimilação do novo no antigo, ou, para se usar de outro termo chave, uma função constante de "renovação". Por isso se fala tanto atualmente de "discernimento": é necessário "discernir" o que devemos conservar e o que devemos abandonar do passado da Igreja. Ora, uma coisa são certas estruturas burocráticas que podemos renovar; outra coisa é a Tradição apostólica, que o Magistério deve guardar, explicitar e defender. Sendo assim, ninguém tem o direito de "discernir" e tratar o Rito Romano tradicional, expressão orante da Fé da Igreja, como algo que "não tem mais nada a dizer" para a nossa geração, ou seja, como algo ultrapassado. Isso não é católico.

A influência que a dialética de Hegel exerceu sobre certas teologias contemporâneas nos faz recordar aquelas palavras de São Paulo (II Tm. IV, 3-4), que para nenhuma época soam mais adequadas do que para a nossa:

"Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas."

Dito isso, quais seriam as nossas esperanças para o futuro da Igreja? Sabemos que a Santíssima Virgem em Fátima nos prometeu o triunfo do seu Imaculado Coração. Como e quando esse triunfo virá, não sabemos. Enquanto isso, com ou sem garantias canônicas, permaneceremos firmes com a doutrina católica de sempre. Apoiados na Tradição da Igreja, temos a mais serena certeza de que não cometemos pecado algum em nossa adesão ao Rito Romano tradicional, pois, como disse Bento XVI: "Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo [considerado] prejudicial". Isso não quer dizer que não nos importamos com a "comunhão eclesial". Muito pelo contrário. Isso quer dizer que o "preço" da comunhão eclesial não pode ser a renúncia de algo que a própria Igreja não tem poder para proibir.


[1] Carta do Santo Padre Bento XVI que acompanha o "motu proprio" Summorum Pontificum. Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/letters/2007/documents/hf_ben-xvi_let_20070707_lettera-vescovi.html.

[2] "The characteristic of this approach is to divide history into phases, such that the beginning of each new phase is joined to the end of the preceding one. Attempts to “baptize” Hegelianism are nothing other than attempts to endow these supposed historical phases with the authority of the Holy Spirit. It is assumed that the Holy Spirit communicates to the next generation something that He has not spoken of to the preceding one, or even that He imparts something that contradicts what He has said before. In the latter case, we must accept one of three things: either in certain phases the Church failed to obey the Holy Spirit, or the Holy Spirit is subject to change, or He carries contradictions within Him." Open letter by Dominican theologian Fr. Wojciech Gołaski: “I must bear witness to the treasure of the holy rites of the Church”. Disponível em: https://rorate-caeli.blogspot.com/2021/11/open-letter-by-dominican-theologian-fr.html.



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